O corretor da távola redonda
Como um paulistaníssimo da Moóca, bacharel em Física
e mestre em Microeletrônica, se tornou fera no mercado de
segurança financeira e o primeiro brasileiro na galeria de honra
da Million Dollar Round Table, a mais respeitada associação
mundial dos corretores de seguros.
Por Otávio Rodrigues
As inscrições para o primeiro MDRT Day Brasil, dia 25 de outubro no Teatro Maksoud Plaza, São Paulo, acabaram dois meses antes. A sigla enigmática diz respeito à Million Dollar Round Table, uma seleta associação internacional de corretores de seguros fundada nos Estados Unidos em 1927, que difunde conhecimentos, estabelece padrões de excelência e certifica os profissionais do setor. Para fazer parte dessa confraria e chancelar o cartão de visitas com sua insígnia – a mítica távola redonda ilustrada com os escudos dos cavaleiros – é preciso se qualificar ano a ano, atendendo a uma série de exigências. Entre outras condutas exemplares, os corretores devem: “Sempre colocar os interesses dos clientes acima de seus interesses diretos ou indiretos”, “Seguir os mais altos padrões de atuação e oferecer a melhor assessoria possível aos clientes, buscando manter e incrementar o conhecimento profissional, as habilidades e competências” e “Fazer completa e adequada exposição dos fatos necessários para que os clientes estejam bem embasados ao tomar decisões”. Em livre comparação, a entidade atua como uma ISO 9000 da categoria.
São cerca de 66 mil membros em todo o mundo, o que representa 1% do total de corretores em atividade. No Brasil, há 255 profissionais certificados – e a depender de João Paulo Bottecchia, embaixador da associação para a América Latina e um dos responsáveis pelo evento, o número deve crescer nos próximos anos. “Esse encontro é uma amostra do que é a MDRT, feito nos mesmos moldes de seus eventos pelo mundo. Certamente vai inspirar muitas pessoas a se tornarem membros e buscarem as melhores práticas.” Já há planos para outra experiência do tipo em 2019. “Teremos de pensar em dois dias de evento, provavelmente, tamanha a quantidade de interessados verificada agora.”
Olho no olho
JP, como Bottecchia é conhecido, é consultor em segurança financeira e há 20 anos vem atuando em áreas como as de seguro e previdência, planejamento de finanças pessoais, investimentos e sucessão financeira empresarial. É membro da MDRT desde 2002, foi seu country chair no Brasil e, em 2016, após dez anos consecutivos de qualificação, se tornou membro vitalício – vale dizer, o primeiro brasileiro a integrar essa galeria de honra. Feras como ele não costumam investir em propaganda e marketing tradicionais. Em geral, seus escritórios prosperam com indicações que os clientes fazem a parceiros de negócios, amigos e familiares. Confiabilidade, claro, é uma das preciosas virtudes de um corretor da távola redonda, algo expresso com as devidas letras em um dos preceitos: “Assegurar estrita confidencialidade, bem como considerar como privilegiadas, todas as informações pessoais e de negócios de seus clientes”. JP conta que preza o olho no olho. “Gosto de estar presente, valorizo a humanização do contato. A pessoa vai me falar do patrimônio, da família, dos sócios… É necessário que ela se abra comigo.”
Quem quer ser um milionário?
Venda consultiva de seguros é ferramenta estratégica no arsenal do consultor JP Bottecchia. “Todo mundo tem uma necessidade de seguro ou previdência, ou seja, precisa formatar um planejamento financeiro. Muitos, porém, não sabem o que precisam, quanto ou como precisam – às vezes nem por que precisam. Quando faço o trabalho consultivo, estou dizendo como posso ajudar na sua vida financeira, descobrindo quais são seus anseios, seus medos, o que você tem de conhecimento do mercado, o que desconhece, e questiono por que hoje não tem um planejamento.” Ele lembra que, para ganhar dinheiro, é preciso tomar risco – seguro é outra estória. “Não se faz seguro para ficar rico, mas para não ficar pobre. O que faço é dar segurança na medida para, se acontecer alguma coisa, você ter o suficiente para manter o plano de vida, a criação dos seus filhos, a continuidade dos seus negócios, ou seja, preservar o que você está planejando. Eu não vou deixar você milionário, mas não vou deixar você pobre.”
Talhado pela vida
JP não cursou Economia nem tem MBA em Finanças, títulos recorrentes entre a maioria dos consultores do setor. Estudante da rede pública, depois bacharel em Física e mestre em Microeletrônica pela Universidade de São Paulo, chegou a se destacar na academia como inventor de um equipamento de deposição de filmes finos, tecnologia utilizada em transistores e células solares. A virada na carreira aconteceu em 1999, quando a mãe perdeu a luta de seis anos contra o câncer sem possuir um seguro adequado. “Não me formei para fazer o que faço, mas a vida me formou. Decidi oferecer às pessoas o que minha mãe não teve, o que meu pai também não teve, e tomar minha história para fazer o melhor pelos outros.” Sagrava-se um cavaleiro.
O destino se metendo
Corriam os anos 1960 e tudo prometia prosperidade para Antônio e Helena Bottecchia, pais de três meninos ainda bebês. Dono de uma gráfica no paulistaníssimo bairro da Moóca, saudável e bem disposto, ele dividia o tempo entre o trabalho diário e as atividades no Clube Juventus, bem em frente, onde era um dos diretores e mantinha um punhado de bons amigos. Tudo caminhando direitinho, como diz uma canção de Caetano Veloso, até que veio o destino e resolveu se meter na vida deles.
Antônio saiu com a Kombi para fazer uma entrega, ali mesmo na vizinhança, e acabou se envolvendo num acidente. Com o choque, a porta abriu, ele foi lançado e bateu a cabeça na guia. O socorro não foi imediato, houve demora em encontrar um hospital público para atendimento e, não fosse a breve mas decidida atenção de um especialista, já tarde da noite e sob súplicas da família, sequer teriam percebido os sintomas de distúrbios neurológicos que, pouco depois, o levariam à sala de cirurgia.
João Paulo, o mais novo dos filhos, tinha apenas quarenta dias. “Não havia ressonância, tomografia, nada disso!” Operação feita, o homem recolhido ao quarto, ainda houve quem perguntasse às freiras da enfermagem se não seria melhor amarrá-lo à cama. E de fato, mesmo tendo alguém ali como acompanhante, ele viria a cair durante a noite. “Meu pai abriu a cabeça no chão, passou por outra cirurgia delicada, depois precisou fazer fonoterapia, fisioterapia… Enfim, viveu hemiplégico dos 41 aos 82 anos.”
Antônio não tinha plano de saúde, seguro de vida ou de acidentes pessoais, e tocava a gráfica sozinho, sem proteção para responsabilidade civil ou qualquer outra garantia. De uma hora para outra, a família se viu obrigada a viver com um salário mínimo da previdência social. “Quase sem recursos, minha mãe passou a cuidar de quatro filhos, por assim dizer.” Antônio continuou se esforçando, voltou a falar e andar com dificuldade, tornou-se um grande exemplo para os filhos. Helena acabaria contratando um seguro de vida – sem saber, contudo, que a proteção era limitada a acidentes, não cobria morte por doenças como a dela. “Acho que tenho algum sucesso porque faço meu trabalho licitamente. Não posso errar com as pessoas, porque já erraram com minha família.”
As necessidades já existem
“Você já pensou em seu planejamento financeiro? Tem alguém que lhe assessore? Quanto precisaria ter de dinheiro guardado? Tem seguro de vida? Não tem? Já pensou em fazer? Quais são os seguros que você poderia ter?” Essas são algumas perguntas francas que o consultor JP Bottecchia costuma fazer quando está em uma de suas cruzadas, sempre mirando o que chama de “despertar de necessidade” nos clientes. “As necessidades já existem, ninguém as cria. Você tem a necessidade, só não se deu conta.” Outra pergunta certeira desse repertório remete à história de sua família: “Você já parou para pensar, caso perdesse sua capacidade de geração de renda precocemente ou sobrevivesse por longo período sem condições financeiras, como estaria sua vida? Está preparado para isso?” Com conhecimento de causa, o especialista alerta que somos todos máquinas financeiras. “Você faz seu dinheiro usando seu corpo, sua expertise. Se hoje ficasse cego, surdo, mudo ou tivesse uma doença severa que lhe impedisse de trabalhar – como sobreviveria daqui em diante? Quando alguém tem morte financeira, estando vivo, sente tudo na pele.”
Blindagem esperta
João Paulo Bottecchia comenta um planejamento financeiro típico, de quem começa buscando mais cobertura em seguros porque não tem dinheiro acumulado. Essa pessoa, ao longo do tempo, vai guardando algum montante, se equilibrando com o que possui de capital e ainda tem de seguro, fazendo revisões constantes. Tudo isso para chegar em um determinado momento da vida e dizer: “Daqui em diante, não quero mais seguro, vou viver do que juntei. Se eu morrer, minha família tem dinheiro suficiente”. Contudo, segundo o consultor, há os que, ainda assim, mesmo depois da aposentadoria, fazem seguro como blindagem. “Porque seguro é um produto que não sofre tributação nem de imposto de renda nem de inventário, tem liquidez imediata, é inalienável e inafiançável. Muitas pessoas e mesmo empresários acabam metendo os pés pelas mãos, passam por algum revés, podem ter todos seus bens confiscados. O seguro de vida, não! Ou seja, equilibrar entre seguro e investimento pode ser uma boa ideia.”
Os melhores do time
Empresas, não raro, têm uma pessoa-chave. Executivo de talento ou criativo brilhante, esse alguém contribui diretamente para que a empresa tenha nome e alcance bons resultados. Como fica o negócio se essa figura importante morrer? Quem responde é o consultor, especialista em segurança financeira e sucessão empresarial João Paulo Bottecchia. “Existe seguro de pessoa-chave e o beneficiário é a empresa. É lícito, correto, justo: o dinheiro entra para a empresa, que assim pode buscar outro profissional tão bom quanto aquele – e quase sempre sai caro trazê-lo.”
O sucesso na sucessão
Uma das especialidades do consultor João Paulo Bottecchia é sucessão financeira empresarial. “Os sócios podem morrer, mas o negócio não acaba juridicamente, precisa ter um seguro como proteção.” Situação comum, conta ele, acontece quando dois ou mais sócios criam um negócio na juventude, vão progredindo juntos, ficam mais velhos, têm filhos, às vezes netos… Então, um desses parceiros morre. “Não se sabe como as famílias se formaram, se estão no negócio ou não, se foram preparadas para assumir.” Em um caso como esse, a proteção garantiria dinheiro suficiente para comprar as cotas dos herdeiros, resolvendo a questão deles e, ao mesmo tempo, a da titularidade na empresa. “O seguro garante o que iria desfalcar financeiramente o negócio. A pessoa ainda tem a empresa, pode tocá-la sozinha ou ir em busca de um novo sócio, que aportará dinheiro para entrar na sociedade. Isso porque existe a proteção do seguro, não foi preciso ela tirar de suas reservas.” JP dá outro exemplo, o da partida de alguém sem sócios e que comanda uma indústria de plástico, deixando filhos jornalistas, médicos, comerciantes – e ninguém quer trabalhar com aquilo. “Mas o papai trazia um dinheirinho para casa, isso todos entendem – e assim como a viúva, preferem que as coisas continuem como sempre foram”, observa o consultor. “Voltamos à ideia básica: todo mundo precisa de seguro.”